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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Foge Foge Bandido


Ontem à noite o bandido veio cá a Coimbra e deu um concerto inesquecível.
5 músicos fantásticos que vieram apresentar "O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu Que Estraguei", que lançaram em 2009 e que infelizmente chega ao fim.

Foi uma noite magnífica, um concerto dinâmico cheio de boa música. Manel Cruz deu-se por inteiro ao longo de 2 horas, com o seu humor único e boa disposição.
"Grande dia - 1º dia de Verão - sofrimento maravilhoso"

Mais uma vez é de louvar a música portuguesa que se faz em Portugal!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Tabacaria - Álvaro de Campos

Ontem foi noite de poesia.
Fui até o Centro Cultural D. Dinis assistir a um espectáculo, com a interpretação de uma grande amiga, onde a poesia é enaltecida.
A poesia eleita foi a de Álvaro de Campos, um dos heterónimos mais conhecidos do poeta Fernando Pessoa e o espectáculo conjuga 7 mulheres que através da dança (movimento) e da voz, exaltam a poesia de forma excepcional. É realmente um espectáculo a não perder.
Obrigada Mi

Aqui fica um dos poemas apresentados:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15-1-1928

sábado, 4 de junho de 2011

Passeio pelo Alentejo


Mais umas férias e desta vez, decidimos passar as férias cá dentro. Afinal, Portugal é maravilhoso e com imenso para ver.
Para além de paisagens lindas, todos os sítios têm história e a comida é a melhor do mundo. Então, porque não explorar o melhor que o nosso país tem?
E assim foi, eu, a minha irmã e a Salete optámos por ficar cá dentro e a região eleita foi o Alentejo.

Partimos de carro de Lisboa em direcção a Évora.
1º dia - Évora
Cidade muralhada cheia de história e de encanto. Pernoitámos no hostel Sant'Antão na Praça de Giraldo. Muito bem localizado e com boas condições.
Iniciámos a visita à cidade pelo Jardim Botânico, onde está o Palácio de D. Manuel. Seguimos para a Capela dos Ossos, visitámos as igrejas, a Catedral, os Palácios e obviamente o Templo de Diana, que se ergue desde o século I d.C. Percorrémos as ruas e ruelas medievais que possuem muito encanto. Sem dúvida, é uma cidade encantadora, cheia de vida e de animação.
2º dia - Portel, Vidigueira, Ruínas S. Cucufate, Cuba, Beja.
Saímos de Évora por volta das 12h e partimos pelo IP2 em direcção a Portel. Em Portel, parámos para visitar o castelo, que é enorme e cujas muralhas estão praticamente intactas. No entanto, o inteior está um bocado abandonado. É uma pena! Mas foi o que mais constátamos ao longo de toda a nossa viagem, que o nosso Património histórico está completamente ao abandono e isso entristeceu-nos bastante. Enfim, mais uma daquelas políticas que não perecebemos!!
Acabámos por almoçar nesta localidade e depois seguimos para Beja, passando pela Vidigueira e Cuba.
Chegámos a Beja, por volta das 17h. Aí permanecémos na pousada de juventude.
Visitámos o castelo que já estava fechado, no entanto, andámos a explorar a cidade percorrendo as suas ruas e ruelas também muito pitorescas e a relaxar numa esplanada.
3º dia - Serpa, Pias, Moura, Barragem do Alqueva, Reguengos de Monsaraz, Monsaraz, Mourão.
Saímos de Beja pela manhã, rumo a Serpa. Em Serpa visitámos as muralhas, que ainda possui alguns importantes panos de muralhas. Pareceu-nos uma cidade pacata, aninhada dentro da sua muralha, e com um encanto único que tão bem caracteriza o alentejo.
De seguida passámos por Pias, Moura, onde parámos para almoçar e visitar a cidade.
Esta por sua vez estava bastante movimentada. Mais um castelo, e este estava em recuperação, por isso não deu para visitar.
Continuamos a viagem, vislumbrando sempre paisagens magnificas de campos e campos dourados pontuados. Surge entretanto o rio Guadiana que começa a serpentear os campos, até que nos deparámos na Barragem do Alqueva, a maior barragem da Europa e que torna a paisagem bastante agradável.
Daí vamos para Reguengos de Monsaraz e finalmente Monsaraz.
Lá foi a surpresa total. Ergue-se no alto uma vila medieval cercada por muros. Interessantíssima! As ruelas, as casas, os cafés e as lojinhas de artesanato, todas com uma vista fabulosa. Absolutamente encantador!
Próxima paragem foi Mourão, que também possui um castelo imponente, mas que está, mais uma vez, completamente abandonado. Uma pena!!
Dali fomos para o nosso pequeno "paraíso" onde pernoitámos no "Monte Falperras". Um verdadeiro paraíso, delicioso e onde recarregámos as baterias.
4º dia - Redondo, Estremoz, Borba, Elvas, Badajoz.
Saímos de manhã, após um pequeno-almoço maravilhoso e rumámos para norte em direcção a Estremoz. Cortámos a Serra D'Ossa, passámos pelo Redondo e parámos em Estremoz. Ainda chegámos a tempo da feira de artesanato que é realmente uma feira digna de se ver. Depois de almoço fomos dar um passeio pela cidade, subimos ao castelo e visitámos a capela da Rainha Santa, que segunda a senhora, que nos abriu a porta, foi em tempos o quarto dela. Entrámos na pousada (soberba!) e subimos à Torre de Menagem que possui uma vista espectaular.
De seguida, passámos por Borba e fizémos uma paragem em Elvas e Badajoz. Elvas revelou-se uma cidade muito grande mas um pouco suja e desprezada. Badajoz, por sua vez uma verdadeira metrópole. Porque será estas diferenças??
5º dia - Vila Viçosa, Alandroal, Terena, Évoramonte
Partimos para Vila Viçosa de manhã e visitámos o palácio ducal onde viveram reis e rainhas de tempos passados, e que revelou-se extraordinário!
Ao visitá-lo é possível imaginar o ambiente familiar que ali se viveu. Cada uma das divisões tem uma história para contar. Vale mesmo a pena!
Ainda nesta vila visitámos o Castelo e o Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, que se situam dentro dos muros medievais do castelo.
Depois de Vila Viçosa fizémos uma paragem no Alandroal para almoçar e uma paragem em Terena para visitar o Castelo, que se vislumbra belo ao longe mas à medida que nos aproximamos vamos nos aperecbendo da detrioração.
No caminho já para Lisboa, parámos em Évoramonte, que também possui um castelo lindíssimo, que se ergue imponentemente lá no alto.
De lá partimos para Lisboa, terminando assim a nossa viagem por esta região de Portugal.
Esta viagem pelo Alentejo foi inesquecível onde vimos paisagens assombrosas, de campos dourados pontuados por oliveiras e sobreiros, cidades e aldeias históricas aninhadas junto a muralhas medievais, aliado a uma gastronomia única e deliciosa.